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Vila Belga: patrimônio histórico e cultural de Santa Maria


Marco ferroviário do crescimento populacional e comercial de Santa Maria Crédito: Jéssica Medeiros

Giovana Dutra

A Vila Belga consiste em um conjunto de 84 residências de estilo belle époque, nos moldes das cidades operárias belgas e francesas. O conjunto foi projetado e construído entre 1905 e 1907, pelo engenheiro belga Gustave Vauthier, para servir de moradia para os funcionários da Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil que trabalhavam no pátio da Viação Férrea.

A Vila Belga do passado Crédito: Arquivo TV Campus

Desde 1988, a Vila Belga é considerada patrimônio histórico e cultural do município de Santa Maria (lei municipal nº 2983/88). Em 1997, através de leilão que deu preferência aos então moradores, as casas se tornaram propriedades particulares. Em 2000, o conjunto habitacional passou a ser patrimônio histórico do Rio Grande do Sul junto à Estação Férrea e ao Colégio Manoel Ribas, que juntos formam o Sítio Ferroviário de Santa Maria.

Viação Férrea em 1914 Crédito: Arquivo TV Campus

Os atuais moradores são ferroviários aposentados, descendentes de ferroviários, pessoas que adquiriram casas por admirarem a arquitetura da vila e sua importância histórica. O local é tranquilo e próximo do centro da cidade. Myrna Floresta mora na Vila Belga há 10 anos com seu marido, ferroviário aposentado. Ela conta que eles reformaram a casa, mas tiveram o cuidado de manter suas características originais. “O que mais gosto na Vila Belga são essas características que remetem à infância, à cidade do interior, com uma vizinhança ótima e muito tranquila”, conta Myrna.

Apesar de ter sido o segundo conjunto residencial do estado do Rio Grande do Sul construído para abrigar funcionários de uma empresa, a vila não se configura como uma tradicional "vila operária". Isso porque ela não está separada da cidade e não foi construída a partir de princípios hierárquicos e de organização social, mas sim como um pequeno bairro.


As unidades foram organizadas em blocos de duas, conforme o modelo chamado pelo arquiteto belga Louis Cloquet de accolée, onde as edificações se conectam lateralmente duas a duas, de forma a preservar a ventilação cruzada entre a fachada principal e a dos fundos, onde fica o quintal. As residências não foram divididas em classes, mas em tipos, variando de tamanho conforme o número de ocupantes. Cada unidade é diferenciada através dos detalhes arquitetônicos, situados apenas nos requadros das aberturas, cimalhas e pilastras. Cada edificação possui um desenho específico, de influência Art Nouveau, e que associado à presença de porões altos em alguns edifícios, proporciona variações inclusive dentro da mesma tipologia, demonstrando um cuidado em diferenciar cada unidade dentro do conjunto.


O professor doutor em arquitetura e urbanismo Ricardo Rocha destaca a relação da Vila Belga com a obra de Louis Cloquet em questões como a localização da vila, os tipos de unidades e suas possibilidades de formação em conjuntos e da necessidade de diversidade, identidade e isolamento das unidades. Para Cloquet, a uniformidade dos bairros construídos para a população operária gerava monotonia e banalidade, além de negar a individualidade humana e a dignidade do proletariado. Vauthier era consciente dessas preocupações e criou diversos tipos de casas. No processo de tombamento, as unidades habitacionais ainda existentes foram identificadas em cinco tipos.


Tipos de edificações identificadas no processo de tombamento Crédito: Arquivo Belgian Club

O conjunto distribui-se ao longo de quatro vias – duas no sentido Leste-Oeste: rua Coronel Ernesto Beck, com 32 unidades, e rua Manoel Ribas com 28 unidades mais 2 unidades que formavam a farmácia; e duas no sentido Norte-Sul: rua Dr. Wauthier com 10 unidades, e rua Coronel André Marques com 13 unidades.

Ao transitar por Santa Maria, é possível encontrar algumas placas indicando a direção da Vila Belga, o que indica a sua importância turística. A arquitetura da vila sempre chamou a atenção de visitantes e, percebendo isso, alguns moradores viram uma oportunidade de criar um evento cultural para valorizar o patrimônio histórico e transformá-lo definitivamente em um lugar de lazer. Assim surgiu o Brique da Vila Belga, realizado desde 2015, no primeiro e no terceiro domingo de cada mês.


O evento é aberto para exposição e comércio de artesanato, alimentos, antiguidades, coleções e roupas, além de contar com apresentações musicais, teatrais e circenses. Oficinas, lançamentos de livros e exibições de filmes também já fizeram parte da programação do Brique da Vila Belga. Segundo o diretor geral do Brique, Carlos Alberto da Cunha Flores, conhecido como Kalu, há um regimento interno do Brique, e um dos principais pontos é que os expositores tenham cuidado para que suas bancas não dificultem a visualização das casas, que são o principal interesse dos visitantes. Em algumas edições, os moradores mais antigos da Vila Belga foram convidados a contar para os visitantes as histórias da época da Viação Férrea.

O Brique da Vila Belga, antes da pandemia Crédito: Arquivo Brique da Vila Belga

O Brique foi interrompido no início da pandemia e ainda não tem previsão de retorno. Para Kalu, não é viável realizar o evento com regramentos e distanciamento social, porque o Brique é um espaço de encontros. “As pessoas vêm celebrar, encontrar os amigos, passear. Não é apenas uma feira em que as pessoas passam e compram, elas vêm para passar a tarde, a maioria fica aqui o tempo todo e acaba se aglomerando. Essa é a nossa ideia mesmo, é um espaço de confraternização e lazer”, explica o diretor do Brique. A comunidade sente falta e está com saudades do evento, portanto a expectativa é que ele volte com força total assim que houver segurança.


Ao longo dos anos, foram executados alguns projetos de revitalização da Vila Belga, mas os moradores gostariam que o poder público desse mais atenção para a infraestrutura das ruas (calçamento, iluminação, sinalização, calçadas). “Devido à importância da Vila Belga para o turismo local, e ao grande número de visitantes que por aqui passam, temos que ter melhores condições para recebê-los”, destaca Myrna.

Crédito: Jéssica Medeiros

A Viação Férrea e seus trabalhadores tiveram papel fundamental no crescimento e desenvolvimento de Santa Maria. A preservação das histórias dessa época é fundamental para que as próximas gerações tenham a oportunidade de conhecer o passado da cidade. As pessoas vêm e vão, como fazia o trem sobre os trilhos, mas as edificações, com suas paredes carregadas de memórias, permanecem. Para além do carinho dos moradores e visitantes, a Vila Belga necessita do apoio e da atenção do poder público para se manter viva, colorida, segura e pronta para receber quem quiser conhecê-la.

Crédito: Jéssica Medeiros

Lançamento I: A artista gaúcha Mandy Candy.​

Projeto executado: Edital Criação e Formação Diversidade das Culturas realizado com recursos da Lei nº 14.017/20 (Lei Aldir Blanc).

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