Distribuídas em quatro unidades do Museu da Cidade de São Paulo, as mostras resgatam as origens das lutas das mulheres, dos negros, da população LGBTQIA+, dos indígenas e dos ambientalistas.
Nos últimos anos, as principais ruas de grandes cidades do Brasil começaram a ser tomadas por pautas reivindicatórias que vieram para ficar: mulheres contra o machismo, negros contra o racismo, LGBTQIA+ contra a homofobia, indígenas contra a invasão de terras e ambientalistas contra o desmatamento. Mas antes de estarem em evidência na mídia e no cotidiano, tais lutas já vinham ganhando corpo em décadas anteriores. É justamente sobre essas origens que se debruça o conjunto de exposições Memória da Resistência marcado para ocorrer entre outubro deste ano e abril de 2022 em quatro unidades do Museu da Cidade de São Paulo: Solar da Marquesa; Casa da Imagem; Casa do Butantã; e Casa do Tatuapé.
Em comum, as cinco exposições dedicam-se ao que “vem antes”, verificando como que essas pautas combativas vêm sendo adensadas desde a criação da Constituição de 1988 – também conhecida como Carta Cidadã – a partir de mais de 300 registros publicados na imprensa (de grande veiculação, e especialmente, na alternativa), documentos, depoimentos e fotografias de nomes emblemáticos como German Lorca, Rosa Gauditano e Jesus Carlos, além de obras produzidas por artistas como Flávio Cerqueira, Ana Teixeira, Andrey Zignatto e Renata Felinto.
Embora sejam centralizadas sob o nome Memória da Resistência, as mostras dedicadas a cada uma dessas lutas são independentes, pois trazem as marcas históricas de cada um de seus atores sociais, ainda que levantem pontos de convergência entre si. “Longe de ser uma, é pluriversal e polifônica”, define a curadora desse conjunto expositivo, Alecsandra Matias. Eis cada uma delas:
Elas vão as ruas A partir do fato histórico marcado pelos três primeiros congressos sobre a mulher, organizados pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, e as subsequentes passeatas, promove-se a discussão sobre a presença da mulher como agente de resistência nas manifestações de rua, sobretudo como sujeito histórico de transformação. Inscrevê-las como atores sociais implica o alargamento da definição do que é historicamente relevante; torna-se necessário incluir a experiência subjetiva, política e pública. Os impasses entre o Código Penal, a “defesa da honra”, a violência doméstica e o reconhecimento do feminicídio surgem nos casos que ganharam a mídia, como os de Eliane de Grammont, Leila Diniz e de tantas outras mulheres famosas ou anônimas.
A mostra Elas vão às ruas marcada para ocorrer a partir do dia 16 de outubro na Casa da Imagem, localizada na Sé, retira a mulher do lugar de passividade, submissão e dos espaços privados (a tutela, a casa, o lar, o prostíbulo) e a leva ao espaço sempre reservado à ação do masculino: a rua.
Tudo tem espírito A resistência também é imanência, ou seja, a propriedade de ser substância ou essência de algo; ser sua interioridade em contraste à realidade aparente. Em São Paulo, os territórios indígenas mesmo apagados pela história oficial ou referenciados somente em nomes de logradores, monumentos e lugares constituem-se em memória resistente; está lá mesmo quando negada ou não compreendida. A preocupação da mostra Tudo tem espírito prevista para 16/10 no Solar da Marquesa de Santos, localizado na Sé, está em fazer emergir esses territórios obliterados e discutir a situação atual dos territórios indígenas.
Eu era carne, agora sou navalha O “empurrar os conflitos para debaixo do tapete” não elimina o racismo. As questões étnico-raciais necessitam de debate e reflexão para que possam despertar a conscientização social. A superação do racismo é também uma batalha contra a ideologia vigente (que acredita na inferioridade do negro ou no aspecto conservador do “mito da democracia racial”). Por essa razão, propõe-se na mostra Eu era carne, agora sou navalha marcada para ocorrer a partir do dia 16/10 também no Solar da Marquesa de Santos, localizado na Sé, uma discussão sobre negritude e branquitude por meio de exemplos vindos da imprensa da cidade de São Paulo. Nesse parâmetro, entram desde os jornais criados por homens e mulheres negros no século 20, passando por fotos e manchetes que mostrem o negro na grande imprensa, além de situações registradas pela mídia que mostrem o “privilégio branco”.
Brenda Lee: a anja das travestis Em pleno anos de 1980, quando a AIDS tomou as manchetes ao redor do mundo, em uma verdadeira epidemia social, quando a desinformação e o preconceito ameaçavam a existência de pessoas LGBTQI+, em especial gays e travestis, Brenda Lee encampou uma luta por acolhimento e, simultaneamente, foi semente para as reinvindicações que se seguiram nas décadas seguintes por parte desse grupo social, historicamente excluído de políticas públicas.
A mostra Brenda Lee: a anja das travestis, marcada para ocorrer a partir do dia 30 de outubro na Casa do Tatuapé, privilegia dois fios condutores: a luta de Brenda, como pioneira, no amparo as travestis infectadas ou não pelo HIV e, a emergência dos discursos ligados as populações LGBTQI+.
Alfred Usteri, a botânica do tempo A mostra Alfred Usteri, a botânica do tempo marcada para ocorrer a partir do dia 30/10 na Casa do Butantã, tem como objetivo trazer à tona a cidade antes da metrópole modernista e os primeiros raios de uma nova ciência chamada ecologia – fonte inesgotável de reflexão e de ações voltadas ao meio ambiente que, hoje, é causa planetária.
Por intermédio dos estudos de Alfred Usteri, tem-se o resgate das formas pelas quais a experiência da vida urbana e a preocupação relacionada ao meio ambiente estiveram presentes em São Paulo, no início do século 20. A intenção é revelar as motivações e as políticas públicas por meio das quais a cidade interagiu com a pesquisa botânica, bem como refletir sobre como foi mapeada a flora paulistana e como surgiram os projetos de jardins e parques na cidade.
As mostras Elas vão às ruas, Eu era carne, agora sou navalha e Brenda Lee: a anja das travestis se pautaram em matérias publicadas no período de 1970 a 1988 pela imprensa alternativa e grande mídia, assim como pelos raros registros de fotógrafos que atuaram nas manifestações, entre os quais Cynthia Brito, Iatã Canabrava, Jesus Carlos, Juca Martins, Nair Benedicto, Rosa Gauditano e Sonia Parma, entre outros nomes.
Vale ressaltar que, no total, são 13 as unidades do Museu da Cidade de São Paulo, que tem como sede o Solar da Marquesa de Santos e inclui entre seus espaços de exibição a Casa da Imagem e a Casa Modernista. De forma geral, o museu polinucleado trabalha com várias temáticas de áreas como arquitetura, história, antropologia e arqueologia. As exposições incluem fotos, obras, vídeos e apesar de serem autônomas, se conectam de alguma forma por suas abordagens.
SERVIÇOS
Memória da Resistência – MCSP
Exposição: Elas vão às ruas
Data: 16/10/2021 até 24/04/2022
Horário: terça a sexta, das 10h às 16h e nos sábados e domingos, das 10h às 17h
Local: Casa da Imagem – rua Roberto Simonsen, 136B, Sé – São Paulo/SP
Gratuito
Exposições: Tudo tem espírito e Eu era carne, agora sou navalha
Data: 16/10/2021 até 24/04/2022
Horário: terça a sexta, das 10h às 16h e nos sábados e domingos, das 10h às 17h
Local: Solar da Marquesa de Santos – rua Roberto Simonsen, 136, Sé – São Paulo/SP
Gratuito
Exposição: Brenda Lee, a anja das travestis
Data: 30/10/2021 até 24/04/2022
Horário: terça a sexta, das 10h às 16h e nos sábados e domingos, das 10h às 17h
Local: Casa do Tatuapé – rua Guabijú, 49, Tatuapé – São Paulo/SP
Gratuito
Exposição: Alfred Usteri, a botânica do tempo
Data: 30/10/2021 até 24/04/2022
Horário: terça a sexta, das 10h às 16h e nos sábados e domingos, das 10h às 17h
Local: Casa do Butantã – praça Monteiro Lobato, s/n, Butantã – São Paulo/SP
Gratuito
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