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Ewandro Magalhães: O brasileiro que revolucionou a comunicação multilíngue no mundo

Sr. Magalhães participou das grandes cúpulas internacionais em quatro continentes e chegou à chefia da interpretação de uma agência das Nações Unidas em Genebra.

Ewandro Magalhães já foi a voz do Dalai Lama e de líderes mundiais como Obama, George W. Bush, FHC, Lula, Dilma e dezenas de outros chefes de Estado. Participou das grandes cúpulas internacionais em quatro continentes e chegou à chefia da interpretação de uma agência das Nações Unidas em Genebra. É autor de Sua Majestade, o IntérpreteO Fascinante Mundo da Tradução Simultânea, obra de referência na bibliografia sobre o ofício da interpretação. Fora do Brasil desde 2007, já morou na Califórnia, em Washington, D.C., em Genebra, antes de se estabelecer em Nova York. É autor de dois vídeos virais para a TED, e traz no currículo também duas apresentações TEDx. Em janeiro de 2017, fundou, com dois outros visionários, a KUDO, uma startup revolucionária que permite a realização de interpretação simultânea a distância. Fala português, inglês, francês e espanhol fluentemente, e tem excelente domínio também dos idiomas alemão e italiano. Casado há 30 anos com Wilmenia, é pai de Raiana, Beatrice e Daniel e avô do pequeno Lou. Leia a seguir a minha entrevista exclusiva para o Brasil com Ewandro Magalhães:

Ewandro, seu universo de atuação gira em torno das línguas. É interesse, carreira ou paixão? Um pouco dos três. O interesse surgiu logo cedo, por influência de meu pai, que em seu esforço de aprender inglês me mostrou que era possível aprender também. A paixão foi crescendo aos poucos até se tornar uma obsessão. E a carreira veio como consequência.


Traduzir terá sido, muito provavelmente, uma das primeiras ocupações de nossos antepassados. O ofício de tradutor, formal ou informalmente, é tão antigo quanto o surgimento das línguas. Mas ao que parece a tradução simultânea como a entendemos hoje só passou a existir após a Segunda Guerra. Quais as razões para tal?

A tradução é provavelmente a segunda profissão mais antiga do mundo (risos). Mas por muito tempo, foi uma ocupação de baixa tecnologia feita presencialmente, até o limite do alcance da voz. Na maior parte dos casos, era feita de modo consecutivo, com oradores e intérpretes se revezando. Isso levava tempo.


Mas ao final da Segunda Guerra mundial, os aliados levaram à justiça os oficiais nazistas acusados de genocídio e crimes de lesa-humanidade. E era preciso que o julgamento transcorresse com a maior celeridade possível. Porque não havia, no código penal de nenhum país, artigos dispondo sobre crimes tão hediondos. Havia o risco de que os nazistas, sendo mestres da propaganda, conseguissem passar à condição de vítima de um julgamento casuísta.


Havia necessidade de um sistema mais ágil e pela primeira vez tínhamos a tecnologia para isso. E foi assim que nos julgamentos de Nuremberg se estabeleceu um sistema no qual os intérpretes entregavam a interpretação simultaneamente.

Afinal, é tradução ou interpretação?

Tecnicamente, é interpretação. Mas essa é uma questão menor. Na verdade, a tradução (escrita) e a interpretação (oral ou gestual) são ações que se interpenetram. Uma coisa não existe sem a outra. Em português temos termos distintos para traçar essa sutil diferença, mas em vários idiomas, como o russo, por exemplo, só existe um termo: tradução.


Você já teve a oportunidade de interpretar celebridades como o Dalai Lama, além de Obama, George W. Bush e pelo menos cinco presidentes brasileiros. Como funciona a interpretação nesse nível de altas reuniões bilaterais? Isso lhe deu visibilidade? A interpretação diplomática é uma das modalidades da interpretação de conferência. Impõe ao intérprete algumas exigências adicionais, além da mera correção linguística, e nos expõe a ambientes geralmente carregados de tensão e expectativa. A interpretação em si não é em nada diferente da que se faz em outras circunstâncias, mas a carga emocional é maior. A visibilidade é automática, para bem ou para mal. Diferentemente da interpretação em cabine, em que ninguém vê o intérprete, nas bilaterais estamos ao lado do dignitário a quem interpretamos. O exercício vai muito além da mera mediação linguística. Você está ali de corpo inteiro.


Má interpretação pode gerar mal-entendidos. Qual o papel do intérprete na mediação de conflitos? É possível manter-se inteiramente neutro? Poder pode, mas as ocorrências, embora muito exploradas pela mídia, são muito raras. Não que não se cometam erros eventuais. Mas a interpretação, quando entendida como um espaço de comunicação, deixa margem para correções, retificações, como em qualquer conversa. Um mal-entendido, antes de gerar conflito, será corrigido pelos atores envolvidos na conversa.


Os chefes de Estado em geral se fazem acompanhar de seus próprios intérpretes. Mais que intérprete, é um assessor, que foi brifado quanto ao objetivo de cada reunião e que sabe aquilo que se diz, mas também o que se queria dizer. E como cada interlocutor tem seu intérprete, eles se monitoram durante todo o evento. É tudo bastante bem amarrado.

O português não é um dos idiomas oficiais da ONU. Como um intérprete brasileiro chega a ocupar a chefia da interpretação de uma agência das Nações Unidas? Fale um pouco sobre a sua trajetória profissional: Eu comecei no Brasil, como autodidata, por falta de quem me orientasse. Fui metendo a cara e aprendendo na marra. Na minha época ainda era possível fazer isso. Com o tempo fui aprimorando a técnica, adquirindo mais confiança e tranquilidade. Já com 15 anos de trabalho, resolvi parar tudo e obter um diploma equivalente à minha experiência. Transferi-me com a família para a Califórnia, para cursar um mestrado específico em interpretação de conferência, no renomado Instituto Monterey (hoje Instituto Middlebury). A ideia era voltar ao Brasil uma vez terminado o curso, mas durante as provas finais, uma observadora do Departamento de Estado americano me convidou a fazer novos testes em Washington. Um mês depois, eu já estava morando em D.C. e interpretando nas grandes cúpulas internacionais. Aí vivemos por quase três anos.

Trabalhar na ONU era um sonho, e em 2010 eu comecei a me candidatar a cargos fixos na organização. Cheguei a ser entrevistado para um posto no ICC, de Haia, mas caí na entrevista. E logo depois, recebi a confirmação de minha seleção como chefe-intérprete da UIT, em Genebra, a mais antiga agência especializada da ONU. Deram-me duas semanas para fazer a mudança. Uma correria. E duas semanas depois de chegar a Genebra, cruzei de volta o Oceano para comandar, por três semanas, uma equipe de 75 intérpretes até então desconhecidos para mim.


Quanto às línguas, eu contava com o inglês e o espanhol, línguas oficiais da ONU, e logo depois agreguei o francês. Mas na verdade, minha função era gerencial e eu já não entrava mais em cabine.

A que você se dedica hoje? Continua interpretando? Com minha transferência para Genebra, passei a interpretar cada vez menos. A última reunião em que de fato atuei como intérprete foi o Fórum Econômico Mundial de Davos, em 2014. E em janeiro de 2017, deixei a ONU para fundar, juntamente com dois colegas, a KUDO (kudoway.com), uma empresa dedicada à interpretação remota. Desde então, dedico-me exclusivamente a ela. Com a pandemia, em 2020, crescemos exponencialmente e atraímos também um grande volume de investimentos. Hoje temos como clientes várias agências da ONU, além da OEA e inúmeros outros organismos internacionais e empresas entre as 500 mais da Forbes.

Você teve a oportunidade de fazer duas apresentações TEDx, uma na França, outra na Inglaterra? Não está faltando um TEDx no Brasil? Que tema você costuma abordar em suas palestras? Sem dúvida. Já está passando da hora (risos). Como estou fora do Brasil há muitos anos, natural que as primeiras oportunidades aparecessem por lá. A primeira delas foi na cidade de Belfort, na França, em 2019. E no ano passado (2021), estive em Bath, na Inglaterra, para outra apresentação, dessa vez em inglês.


Eu estou à vontade para falar de diversos assuntos, mas eu sempre costuro nas palestras algum conteúdo relacionado às línguas ou à interpretação, que é um ofício sobre o qual há muita curiosidade e sobre o qual se sabe muito pouco.

Que conselhos você daria a alguém que queira se tornar intérprete? Quais são as verdadeiras exigências de um ofício tão desafiador? É importante saber, logo de cara, que a principal exigência na interpretação não é linguística, mas emocional. De nada adiantará um completo domínio dos idiomas envolvidos se der branco na hora H. O caminho hoje passa necessariamente por um bom curso de interpretação, em nível de pós-graduação ou mestrado. O mercado não comporta mais autodidatas como foi no meu tempo.


As tecnologias de comunicação tem lugar em um ofício tão antigo quanto a interpretação? Fale um pouco sobre a KUDO e sobre o que imagina ser futuro da tecnologia no seu campo de atuação. A KUDO foi uma aposta de que seria possível a um intérprete fazer a interpretação a distância, a partir de uma cabine montada em um hub ou trabalhando de casa. Eu já tinha feito algumas experiências com isso na UIT, e em 2010, na primeira reunião que fiz na UIT, em Guadalajara, conheci o Fardad Zabetian, que hoje é nosso CEO, e começamos a discutir a possibilidade de um sistema mais eficiente. Parece que estávamos adivinhando que daí a alguns anos um vírus mortal paralisaria o planeta, impondo a necessidade de todos trabalharem de casa. O timing foi perfeito. A KUDO permite a realização de reuniões multilíngues, com os intérpretes atuando de qualquer lugar do planeta.

Você também atua como mentor e coach de profissionais da área. Como você define o sucesso e em que consiste seu trabalho de aconselhamento profissional? Quando ainda estava em Brasília, onde tive uma agência de interpretação por 17 anos, bolei, junto com um colega da Unicamp, um treinamento intensivo para intérpretes. Conduzi esses workshops por cerca de uma década e levei ao mercado grande parte dos colegas que ainda estão em atuação no mercado de Brasília. Com minha transferência para o exterior, passei a atuar na mentoria de intérpretes de níveis diversos. Aprendi muito estando do outro lado do balcão, e esse conhecimento me permitiu formatar novos cursos para partilhar com os intérpretes meios de intensificar sua atuação profissional e seus ganhos. Não dispondo mais de tempo para atividades presenciais, formatei esses cursos como experiências on-demand. Quem quiser mais informações, basta visitar o website: https://ewandro.com.


Você é autor de três livros, um dos quais já traduzido em espanhol. O que o motiva a escrever? Qual dos seus livros você recomendaria como primeira leitura? Sugiro a leitura de Sua Majestade, o Intérprete – O Fascinante Mundo da Tradução Simultânea. É um livro leve, divertido, e dá um bom panorama sobre o ofício, suas dificuldades e suas curiosidades. Está disponível na Amazon. De todas as minhas formas de expressão, a escrita ainda é, na minha modesta opinião, a mais eficiente e mais prazerosa. Além dos livros sobre interpretação, sou autor de um livro de contos intitulado O Eu em Cubos – Contos Terapêuticos, lançado em 2003.

LIFESTYLE, VIDA PESSOAL, SONHOS


Como é viver em três culturas tão diferentes como Brasil, Suíça e Estados Unidos? Por onde mais andou? Conte-nos o que viu do mundo e como lida com a saudade do Brasil? Já viajei pelos quatro cantos do mundo. Trabalhei muito na África, como intérprete, em missões com o FMI e o ICC. E durante o meu tempo na UIT andei pela Ásia, Europa, Oriente Médio e Américas. Viajar sempre nos enriquece. Não se trata de mera mudança geográfica. Viajar é mudar de opinião. É aprender a ver o mundo com novos olhos e perder preconceitos. Foi uma experiência riquíssima, sobretudo para os nossos filhos, que tiveram um pouco da cultura europeia, americana e, naturalmente brasileira (sem falar na fluência que adquiriram em diversos idiomas).

Ewandro, que sonhos você ainda não realizou? Eu nunca fui de planejar nada. As coisas foram acontecendo à medida que eu abria portas. Mas sempre tive paixão. Sempre busquei essas portas. Tive uma carreira internacional bem-sucedida até aqui. Mas não penso em me aposentar nunca. A KUDO ainda tem um bom caminho pela frente, e o desafio é muito estimulante. O sonho é um dia poder me dedicar às coisas que realmente me dão prazer: palestrar e escrever.

Quem são os seus amores? Minha maior riqueza é a minha família, obviamente. Minha companheira Wilmenia, de mais de três décadas, que me acompanha por onde quer que eu vá. Juntos criamos três filhos lindos, bons e sãos. Têm a experiência cosmopolita do mundo, mas os pés firmemente plantados no chão. E há seis anos, nossa filha mais velha nos deu o nosso primeiro netinho, Lou, que é hoje a grande paixão da família. Ah, e não posso me esquecer do Fred, um simpático cãozinho yorkie, que há 15 anos nos acompanha pelo mundo afora.

Para onde vai o mundo e como você se posiciona entre tantas polaridades diferentes? Há esperança de dias melhores? O mundo vai para onde sempre foi: pra frente. Só que avança aos solavancos, indo e voltando, num processo cíclico que é preciso entender e aceitar. Nem sempre é fácil, e às vezes pensamos que só andamos para trás. Mas o delta é sempre positivo. Acho que nossa função é mantermo-nos otimistas. Esperar o melhor, sempre, fazendo o nosso melhor, segundo as nossas circunstâncias.

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