Entre a precisão técnica do Direito e a liberdade criativa das artes, Diógenes Carvalho construiu uma carreira sólida como advogado e professor universitário. No entanto, sua trajetória vai além dos tribunais e das salas de aula: sua incursão pelo teatro, pela moda e por outras expressões artísticas revela um espírito curioso, movido pela sensibilidade e pela busca incessante por novas formas de expressão.
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Seu envolvimento com a moda o levou a desfilar nas principais passarelas do país, como a São Paulo Fashion Week e a Casa de Criadores, além de estrelar editoriais de marcas renomadas. No teatro, sua jornada tem sido marcada por desafios intensos e aprendizados transformadores, culminando na criação de seu solo autoral, "A Construção de um Solo Autoral - O Caso do Homem de Uma História Só".
Diógenes não apenas vive a arte, mas a investiga e a experimenta em diferentes linguagens, do palco às tintas da aquarela, da música à performance corporal. Seu olhar sobre a subjetividade e a presença no momento presente são marcas de sua trajetória, influenciada por grandes nomes do teatro brasileiro, como Yara de Novaes e Raíssa Gregori.
Nesta entrevista exclusiva, ele compartilha reflexões sobre a transição entre Direito e Arte, os desafios de atuar e desfilar, e os processos de criação de sua peça solo. Mais do que um artista ou advogado, Diógenes se define como um explorador da vida, sempre aberto aos desafios e às surpresas que o caminho lhe reserva. Confira a seguir a capa e a nossa conversa.
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Diógenes, sua trajetória como advogado e professor universitário é impressionante, mas sua incursão nas artes, principalmente no teatro e na moda, demonstra uma versatilidade incomum. Como você vê essa transição de um campo altamente técnico para o artístico?
Tem sido um movimento de tentar sempre sair do lugar-comum e buscar desenvolver um olhar mais generoso sobre mim mesmo. Nada de mudança de rota ou transição de carreira. Costumo dizer que é uma expansão de carreira. Sou muito feliz com a pessoa que me tornei e com a carreira profissional que construí no Direito. A questão é que a arte, hoje em dia, me questiona, apresenta-me mistérios a desvendar, coloca-me diante do desconhecido. A minha impressão é que ela me impõe a subjetividade como um caminho para a evolução. Acho que foi preciso das manifestações artísticas para extrair o meu melhor, em todos os sentidos.
Falando um pouco sobre a moda, Diógenes, você foi descoberto para as passarelas e já passou pela SPFW, Casa de Criadores e diversos editoriais de marcas nacionais. Nesse mundo, a estética, belezae expressão corporal falam muito. Como sua experiência como modelo contribui para a construção de uma performance no palco? Existe alguma ligação entre a postura de um modelo e a de um ator?
A estética é sempre positiva. Acho que ser esteticamente bonito pode abrir portas, mas não as mantém abertas. Nenhuma trajetória de uma vida será feita por causa de uma beleza somente. Os trabalhos de modelo e ator são bem diferentes, pois o teatro exige uma corporalidade que ainda é muito difícil para mim. Os editoriais e desfiles são movimentos mais duros e acertados. Já no teatro, é necessário repensar toda a concepção de que é o corpo, pois numa encenação se comunica o personagem com uma cena e plateia. Talvez a significação do corpo para o ator não se esgota no fato de ser um personagem apenas, por serem diversas as camadas de signos que agem no espaço teatral.
Agora, ao olhar para sua jornada como artista multifacetado, com interesses que vão de tocar instrumentos musicais e até se arriscar em um curso de aquarela, como você percebe o papel da arte em sua vida?
Eu, literalmente, busquei novos cenários para viver, outros cheiros, outros hábitos, outras maneiras de falar, de pensar e existir. Demorei a acreditar que teria saúde para tantos movimentos diferentes, ou que teria ideias para tantos projetos. Eu acho que realmente entendi que é uma arte viver a vida! Jamais imaginaria que viver daria nisso aqui tudo!
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Na sua trajetória, você teve a oportunidade de ser orientado por figuras renomadas como Yara de Novaes, Raíssa Gregori dentre outros. Como o aprendizado com essas grandes referências do teatro brasileiro impactou a maneira como você se enxerga no palco?
Lembro-me, perfeitamente, da primeira aula de teatro. O tema era a compreensão da “Presença”, como uma capacidade de se dedicar integralmente ao momento e à entrega na vida e no palco. A Yara passou um exercício para casa e, naquela semana, deveríamos ficar o tempo todo “em presença”, ou seja, prestando a atenção na escovação dos dentes, na forma de tomar banho, olhando diretamente nos olhos das pessoas ao conversar, andar pelas ruas fazendo contato visual, etc. Achei aquilo extremamente difícil e percebi o quanto eu vivia sem presença. As falas dela me encantavam e faziam total sentido com a busca a que eu me propunha naquele momento. Depois parti para outros cursos, fui conhecer outros métodos e tive uma experiência com o Grupo Tapa, uma das mais importantes companhias de teatro brasileira, com 50 anos de atividade. Ali tive o prazer de conviver e integrar, por um semestre, um grupo de estudos voltado à exploração, treinamento e aperfeiçoamento de técnicas corporais fundamentais à atuação, liderado pelos atores Adriano Bedin e Bruno Barchesi. Já o encontro com a Raíssa foi incrível (daqueles), por ela tenho uma profunda afeição, não só pelo seu talento como atriz, mas pelo seu jeito terno e principalmente pela sua desafetação como Diretora e raridade como ser humano. Sempre digo que com ela aprendi uma coisa: que uma vez determinado o rumo a seguir, entra a melhor parte - abrir se para os acidentes de percurso.
E quando falamos de seu envolvimento com o teatro, especialmente em um solo autoral como o seu, “A Construção de um Solo Autoral – O Caso do Homem de Uma História Só”, como foiconstruir essa narrativa?
O Solo Autoral foi algo super inusitado, pois eu estava num curso de leituras de Fernando Pessoa e lá conheci o Gabriel, que havia acabado de fazer o curso com o Davi Novais, de solos autorais e já estava se apresentando. Ficamos amigos e eu falei assim: “Gabriel, veja se você consegue pra mim uma vaga com o Davi? Pois tenho uma ideia interessante de solo e gostaria de fazê-lo neste semestre. Trocamos os contatos. Logo consegui ser aceito pelo Davi na Casa de Artes Operária e lá aprendi que para começar a escrever é necessário, antes de tudo, muita coragem. Coragem para entrar num espaço muito específico, repleto de incompreensões e indagações. Assim, fui dando espaço aos meus devaneios... Todos nós que estávamos envolvidos no processo de construção de solos autobiográficos (éramos 08 alunos), liberamos nossos terrenos internos para que os brotos de todas as histórias pudessem encontrar abrigo e adubo dentro do grupo. Em alguns momentos, também, tive decepção com a palavra, pois tão finita diante de tudo que sentia e pensava.
Perguntas sobre a peça "A Construção de um Solo Autoral – O Caso do Homem de Uma História Só": Diógenes, a peça "A Construção de um Solo Autoral" se destaca pela proposta de um personagem que carrega uma única história. Como você, no papel do homem de uma história só, conta essa singularidade e a transforma em um solo autoral tão dinâmico?
A peça examina os dilemas existenciais de um homem que se vê preso a uma única narrativa, a do "homem bem-sucedido", e que, ao longo de sua jornada, busca se libertar das limitações impostas pela sociedade. A história se desenrola em um tribunal, onde Diógenes defende seu próprio direito de viver múltiplas vidas, sem ser reduzido a uma única função ou expectativa. Tem um tom que mistura comédia, crítica social e muita introspecção. E ao final, a peça tenta desafiar o público a refletir sobre os papéis que desempenham em suas próprias vidas e questionar o que significa "dar certo" em uma sociedade que muitas vezes valoriza a conformidade.
Em "A Construção de um Solo Autoral", o foco é em uma narrativa pessoal e única. Você sente que, ao se entregar a essa construção, há algo de sua própria história que ressurge ou se revela?
Sou o autor, ao mesmo tempo, narrador e protagonista da minha própria história e sempre, claro, fico emocionado e, mas também orgulhoso dessas buscas. Quando as pessoas tomam conhecimento da história ou mesmo da sinopse, sempre vem a pergunta: O seu dia ainda tem 24 horas? Onde arruma tanto tempo? De fato, hoje, luxo é ter tempo. Ainda mais nesses dias tumultuados, em que se corre de um lado para o outro, vivendo contra o relógio. Todo mundo megaocupado. Acho que não ter tempo para nada ou para outras histórias, é uma constatação tão irrefutável, tão crível, tão comum que ninguém questiona, aliviando uma certa culpa das pessoas por estarem sempre alegando falta de tempo quando, muitas vezes, pode ser falta de curiosidade ou interesse. Sou muito curioso com a vida. E acho que isso me faz sempre reagir, mover, procurar e arriscar – essa perseguição a algo que nem sei se existe é uma homenagem que presto à minha biografia. Nada me amortece, tudo me liga, tanto aquilo que dá certo como também o que dá errado. Depois desse solo, felicidade não é uma palavra que me remete só ao bom, mas dei a ela outro significado: é uma espécie de inclinação corajosa para a vida, que nunca é só boa ou só ruim.
Por fim, Diógenes, ao olhar para o seu trabalho tanto no teatro quanto na carreira jurídica, você se considera mais um contador de histórias ou um explorador delas? Como essa peça e sua jornada artística ajudam a revelar novos aspectos da sua vida que talvez não tenham sido vistos em outros campos de atuação?
Nossa! Que pergunta difícil! Acho que sou mais um explorador, pois gosto do movimento, de um objetivo, de um desejo qualquer. Acho que é preciso sempre querer alguma coisa nova ou diferente – já alcançar é facultativo. Tem um documentário do Rubem Alves, no qual ele é questionado como planejou a sua carreira para chegar onde chegou e qual seria a verdadeira fórmula do seu sucesso. Daí, ele respondeu que chegou onde chegou porque tudo que havia planejado deu errado. A vida está repleta de exemplos de publicitário que virou chefe de cozinha, de professor que virou fotógrafo e tem até gente que almejou ser fiscal da receita federal e virou fiscal da receita federal, fez carreira no serviço público e morreu fiscal. A vida é surpreendente. Respondendo à segunda pergunta: a vida joga os dados, distribui cartas, gira a roleta - a mim, caberá apenas continuar apostando.
Créditos - @diogenesfc
Fotos @s_santoian
Styling @guilhermo_lima
Lola: @aramisoficial @misci_ @camargo_alfaiataria @bouji.oficial @antoniomacedojoias
Beleza @louisehelene_
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