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Caderno Gaúcho: Fernando Ávila, história e cultura pelas mãos do acordeonista

Você conhece ou já ouviu falar sobre o acordeon, não é? Este instrumento riquíssimo de história e cultura e que é pouco valorizado, vem ganhando destaque nas mãos do músico gaúcho Fernando Ávila.


Liberte sua mente e seu coração do preconceito em pensar que ele é “instrumento do vovô”. Sendo acordeon no sul ou sanfona no nordeste, seu som nós leva a calmaria que tanto precisamos para atravessar os tempos negros que ainda estamos presenciando. Embarque nesta entrevista leve e repleta de arte.

VAM: Quem é Fernando Ávila e o que a música e principalmente o acordeon representa para ele?

Sou natural de São Leopoldo (RS) e aos 14 anos comecei a estudar acordeon, instrumento popularmente conhecido como gaita no Sul do Brasil e sanfona no Nordeste.

Bacharel em Música Popular pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e licenciando em Música pela Universidade Federal de Santa Maria, me debruço em pesquisa sobre o acordeon e seu ensino no Brasil, através do meu projeto Por Dentro do Fole e, também, busco utilizar o acordeon como instrumento de música de câmara, valendo da formação instrumental de quinteto de cordas para apresentar minhas composições no projeto A Lua de Santiago, CD que gravei em 2017 e que é o esteio do meu trabalho artístico.


Sendo assim, o acordeon e a música são minha vida. Fernando pessoa e Fernando artista são indissociáveis. O acordeon me levou a conhecer outros lugares no mundo como, França, Bélgica, Holanda, seja para realizar concertos ou aperfeiçoar os estudos musicais. Dentro deste processo de formação artística, fui seguindo pistas que a música me proporcionava, bem como a intuição. Por conseguinte, Fernando Ávila acordeonista é hoje alguém que buscou seu nicho de trabalho dialogando com a música de concerto, o ambiente dos cafés de Paris e Buenos Aires, assim como as cantinas de vinho da Toscana. Atualmente, levo em paralelo os projetos Acordeon Café e Accordéon et Vin, nos quais toco um repertório variado de música francesa, italiana, argentina, trilhas de filme e minhas composições, seja em degustações de café ou vinho, sempre buscando a junção da música, gastronomia, literatura história e cultura.


VAM: O acordeon pode ser considerado o instrumento que representa a cultura latina/do sul?

Acho muito delicado circunscrever uma cultura tão ampla como a sulina pela rubrica de um único instrumento. Acho que o acordeon é representativo de inúmeras culturas no mundo, mas é inegável que ele tem destaque no Sul, bem como no Nordeste do Brasil.


VAM: Para a grande maioria das pessoas a sanfona e o acordeon são instrumentos iguais. O que leva a população a este pensamento?

O acordeon e a sanfona são o mesmo instrumento. Existem diferentes tipos de acordeon, diferentes tamanhos. Existe o acordeon de teclas de piano, assim como o acordeon de botões. A diferenciação de nomes se dá pelas regiões e culturas. No mundo também acontece a diferente nomenclatura, embora que em muitas línguas a palavra seja semelhante, há nomes distintos como, por exemplo, fisarmonica na Itália, harmonica na Croácia, bayan na Rússia.


VAM: Há algum ponto dentro da história da música que fez com que o acordeon deixasse de ser um instrumento pouco divulgado no restante do Brasil?

O acordeon foi muito popular durante os anos 1930 até a década de 1960 em grande parte do mundo. A decadência da sua popularidade se deve ao sucesso entre o público jovem do advento do guitarra elétrica e o Rock and Roll.


No Brasil tivemos a Jovem Guarda e a Tropicália, além do próprio Rock na sequência dos anos 1960. É no final da década de 1990, mas principalmente nos anos 2000 que o acordeon ressurge no gosto de um público jovem, e eu estou inserido nesta geração.

Cabe salientar que estou me referindo não apenas aos praticantes do instrumento, mas também ao novo público diletante do acordeon, pessoas que não tocam, mas que admiram o instrumento, pois durante muito tempo ele foi cunhado de cafona ou instrumento "de velho".


Costumo dizer que o filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain contribuiu para atingir o público jovem que não tinha nenhuma proximidade com o acordeon. Este filme já é considerado um clássico do recente cinema francês e sua trilha sonora é marcada pelo acordeon de Yann Tiersen.


VAM: Para compor sua peça Tango Pour Carla, você levou 3 meses. Conte sobre a construção e composição?

Tango pour Carla é uma peça cheia de significados e acredito que seja a minha mais bem elaborada composição até o momento. O nome em francês faz alusão à música Tango pour Claude, do acordeonista francês Richard Galliano, e é uma peça cheia de influência e citações à obra do argentino Astor Piazzolla, que em 2021 tem seu centenário de nascimento comemorado em todo o mundo, pois se trata do mais importante compositor de tango do século XX e criador do estilo Nuevo Tango, em contraposição ao Tango Tradicional.

A música possui elementos rítmicos do nuevo tango em suas partes, e também uma secção lírica que culmina na citação da música Los Pájaros Perdidos, de Piazzolla. Originalmente escrita para acordeon e violino, a peça já foi estreada pela acordeonista croata Martina Jembrisak em performance solo e também pelo polonês Nikodem Sobek, que a interpretou na 70° edição do Trophée Mondial de L'accordéon, ficando ele em 2° lugar nesta que é uma das mais importantes competições de acordeon do mundo.


VAM: Ainda estamos em pandemia, o que você como músico deseja que a sua arte traga para o seu público? Você mudou hábitos nesse período? Quais os planos para este novo ciclo?

A pandemia, apesar de nos dar a tristeza de tantas mortes e o desvelamento deste desgoverno brasileiro, fez a comunidade artística repensar e produzir muito. Durante a pandemia eu tive o tempo que antes não tinha para criar, e este tempo me rendeu um novo projeto chamado Solitude Gris, que justamente reflete a minha solidão nos dias de distanciamento social, colorida pelo gris que é uma cor triste para muitas pessoas, mas que sob a minha óptica permite um estado de espírito de introspecção e calmaria. Como já foi demonstrado em A Lua de Santiago, gosto de embasar minha música com poesia e pintura. Neste novo trabalho para 2021 que pretendo registrar em CD de acordeon e quinteto de cordas, vou reiterar esta minha característica com a minha poesia Solitude Gris e a pintura de Maria Tomaselli, que já participou na capa do CD A Lua de Santiago. A interação com o público em 2020 ocorreu por meio de lives, o que foi uma experiência interessante, todavia, espero em 2021 reencontrar o público presencialmente em salas de concerto, mas também disponibilizando mais material audiovisual da minha obra para o público virtual.





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