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Aurélio Tavares, um Flinstone do Vento na rota inversa dos descobridores

Bons ventos trouxeram o Engenheiro Eletrotécnico português Aurélio Tavares, pioneiro da energia eólica em Portugal, para as artes visuais do modernismo brasileiro.

100 anos depois da consagrada Semana de Arte Moderna de São Paulo, Tavares inaugura, em sua Quinta, na Ilha da Madeira, uma Galeria de Arte que se destaca pela presença de obras de artistas brasileiros importantes como Portinari, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Pancetti, Anita Malfatti e Vicente do Rego Monteiro, entre outros.


A curadoria do acervo é do marchand e galerista Alexei Waichenberg, que o acompanha desde 2018, quando foi viver na cidade do Porto, em Portugal, onde reside o engenheiro.


VAM Magazine quis conhecer o empreendimento cultural e entrevistou Aurélio e Alexei. Leia a seguir!

VAM: Sr. Aurélio, antes de entrarmos no universo das artes visuais, gostaríamos que nos falasse brevemente sobre sua trajetória profissional nas energias renováveis

- Não quero fazer aqui uma retrospectiva, nem apresentar uma biografia profissional, mas este ano completo 37 anos de atividade na área eólica. Por isso acho que me consideram um Flinstone do Vento. Tudo começou em 1986. Eu tinha uma empresa de projetos e instalações elétricas que acabou por fazer um projeto para uma grande fábrica de sapatos. Um engenheiro dinamarquês, responsável pela fábrica, desafiou-me a ver o que ele chamou de “umas coisas novas da Dinamarca”.

Foto: Acervo Laso

Isso para mim era como colocar um doce na boca de uma criança. Sempre me atraíram as inovações, sobretudo ligadas às coisas que não se vê.


Não foi, portanto à toa, que escolhi fazer engenharia eletrotécnica. Na Dinamarca, tive o meu primeiro contato com a energia eólica, naquela época bastante desconhecida da maioria dos portugueses, que tinham um enorme preconceito no sentido de que aquilo só funcionava quando havia vento e, portanto, não poderia funcionar.

Mesmo assim, eu fiquei empolgado porque vislumbrei trazer a tecnologia para Portugal com ineditismo. Contactamos várias empresas na Dinamarca e optei pelas empresas de pequeno porte para que fossem compatíveis com o tamanho da empresa que eu representava.


Eles forneciam os aerogeradores e a minha empresa faria as instalações elétricas e de construção civil. Começamos então a medir o vento em Portugal. E o processo era tão complexo que nós só conseguimos uma oportunidade de fornecimento de máquinas em 1990. E isso aconteceu nos Açores.


Quando eu digo que isso foi uma ideia audaciosa e, porque não dizer, empreendedora, é porque nós fomos para a Dinamarca conhecer as novidades e contratualizamos uma parceria sem ter em vista qualquer cliente para fornecer a nova tecnologia.


Mas voltando ao caso, naquela época, não havia preocupações ambientais. A ideia dos dinamarqueses era que cada um produzisse a sua própria energia. E isso me fascinou.


Começamos por São Jorg e depois na Graciosa, nos Açores, que não chegava a ter 5.000 habitantes. Distante de São Miguel, o grande problema ali era a falta dos equipamentos de elevação.

Então, mais um desafio. Dessa vez dos grandes. Na Graciosa não havia uma grua com capacidade de içar as torres.

A única forma de resolver o assunto, no mais puro estilo de que quem não tem cão caça com gato, foi fazermos a utilização das antigas técnicas egípcias de cordas. Em que as turbinas são totalmente preparadas no chão.

Então, os técnicos levantaram aquilo numa operação perigosíssima. E deu certo. Essa experiência só podia ser pilotada por um Flinstone.


Com a experiência que ganhamos nos Açores, em 1991, veio a implantação do Parque da Ilha da Madeira.


O plateau do Paul da Serra localizado a cota dos 1600 mts tem nevoeiros serradíssimos, com condições meteorológicas bastante adversas e foi considerado o local de eleição para a instalação dos parques eólicos.


Aquilo era um projeto privado. Eram dois grupos envolvidos no negócio. Um de Lisboa e outro nada menos do que o Grupo Pestana. O Grupo tinha um problema com os gastos em energia das suas unidades hoteleiras. Foi quando surgiu a ideia de investirem em energia eólica para reduzir a fatura energética.

Foi assim que nasceu, 1993/1994, o maior parque eólico privado da Europa. Nesse tempo havia parques, mas todos estavam ligados às empresas operadoras de energia.


O Parque do Paul da Serra é um dos mais antigos em funcionamento da Península Ibérica. Muita gente duvidou e tinha reservas quanto à energia eólica.

Depois de ter recebido um financiamento no banco para a montagem do Parque, o gerente me confidenciou que pensou que eu era maluco. Ele disse: Este Engenheiro está doido porque anda a querer vender o vento.


Levamos tempo para convencer os Velhos do Restelo de que a energia renovável ia ser o petróleo do futuro. Depois disso me veio uma ideia, da qual muito me orgulho, que foi envolver as Universidades para nos ajudar, com seu conhecimento.


De lá pra cá vieram os Parques de Cabo Verde, com seus ventos Alíseos, idênticos aos do nordeste do Brasil. Fiquei conhecido como o engenheiro das Ilhas. As ilhas de Santiago, Mindelo e o Sal foram brindadas com tecnologia de ponta utilizando aerogeradores de 300KW.


Foi quando chegamos ao Brasil, que se transformou numa paixão continental, por sua diversidade cultural e pelos vastos recursos naturais que nos apresentava. Eu recebi a primeira concessão para exploração de uma Parque Eólico no Ceará. A coisa depois disso não correu muito bem. A política não nos permitiu avançar e os bancos brasileiros não estavam, nessa altura, preparados para financiar projetos eólicos. Dessa aventura brasileira surge mais um apelido: Pedro Alvares Cabral dos Ventos.


Em 2005 a coisa teve outro rumo e, decidi regressar à Madeira para um novo investimento. Construímos uma Parque eólico de 12 Megawatts. Em 1994 a potência do parque inaugurado era de 2,7 Megawatts, e 15 anos depois, em 2009, quando concluímos o novo Parque, era quase 5 vezes maior. Uma tecnologia completamente renovada, com máquinas avançadas.


Na Pandemia instalamos ainda na Madeira aquele que eu considero o projeto mais complicado da minha vida. As dificuldades ultrapassaram as do Covid 19. A logística de transporte das cargas para implementação do Parque punham em risco as obras de arte da Madeira. Pontes, Praças, Viadutos. Tivemos que destruir e reconstruir rotundas. O gerador pesava 200 toneladas, o comboio 100 metros de comprimento e cálculos infindáveis.

Crédito: Filipe Braga

Até hoje, olhar para isso, me emociona pela superação dos grandes profissionais que envolvemos e pela confiança que tivemos de todos os organismos privados e públicos da Ilha.


Não é à toa que escolhi a Ilha como um refúgio de prazer, onde eu possa brincar com as minhas netas na Quinta de São João. Ali vou ter meus livros, admirar minhas telas, minha família e meus amigos. Ali deixo o meu legado.


Agora os ventos sopram pro futuro, para mais inovações, trazem oportunidades para jovens empreendedores. A Hibridização é o futuro. Hoje não se pode pensar numa cena de energia sem consciência ambiental e sem entendermos que o sol, o vento, a água são fontes de energia complementares. Precisamos de otimizar as infraestruturas.


VAM: Antes de falarmos sobre a Quinta de São João, queríamos saber como nasceu essa paixão pelas artes?

- Não sei se isso vem no sangue, mas minha mãe pintava. Por isso a homenagem que faço com a Galeria Lourdes. Éramos 7 irmãos de uma família simples. Eu sou o caçula dos homens. Desde quando comecei a ganhar algum dinheiro, decidi investir em alguns artistas portugueses, que hoje fazem parte do acervo e que ficaram consagrados. Nunca me atraíram as obras acadêmicas. Nas minhas constantes viagens ao Brasil conheci a obra visual do Burle Marx e me apaixonei. Comprei uma obra linda que está exposta na Madeira.


Em 2018 conheci o Alexei Waichenberg, um especialista em cultura brasileira, que havia acabado de mudar-se para o Porto, em torno de uma possível consultoria de implantação do Instituto Pernambuco Porto, do qual sou vice-presidente. Nos identificamos pelo gosto pela arte moderna brasileira. O resto vocês podem ver no livro, de autoria dele, que fala sobre a construção da minha coleção. Ali ele apresenta 71 obras da minha coleção. Cada uma delas comemora um ano de vida. E ainda tem nesse acervo uma obra naif da minha falecida mãe Maria de Lourdes Valente de Almeida.

Alexei e Aurélio - Crédito: José Pedro Tomas

VAM: Agora nos fale da Quinta de Sâo João:

- A Quinta de São João é uma ode à Ilha da Madeira, que foi onde consegui consolidar a minha trajetória profissional. É um projeto sustentável, que além de me conceder os benefícios óbvios de desfrutar daquele paraíso com a família, tem o compromisso de deixar um legado, através da construção de um equipamento cultural, que fala sobretudo da diáspora portuguesa. Por isso a escolha de um lugar a meio do caminho do Brasil a Portugal Continental, com enfoque nesse retorno da arte brasileira ao território do colonizador. Exaltar a arte brasileira, além de reforçar os laços fraternais que empunham Portugal e Brasil, demonstra que não somos mais os velhos exploradores de riquezas do passado. Portugal só fica mais encantador quando vai buscar a diversidade que nossos ancestrais deflagraram e suas múltiplas e diversas culturas.

Na Quinta encontrei uma capela de 1693, que até hoje recebe os fiéis da comunidade de Câmara de Lobos, onde está situada. Do alto da colina, a poucos metros do estreito, vemos o atlântico que nos separa e nos aproxima do Brasil. As vinhas com as boas uvas da Madeira, o clima subtropical, as flores, os frutos, a casa sede com a típica arquitetura madeirense são encantos que me cativaram para ter ali o meu refúgio. Para terminar, o projeto da quinta é um projeto de resgate social. Pretendo que a Galeria e a residência artística, que ali instalei, sejam um celeiro de incentivo para os jovens madeirenses, estudantes sem muito acesso ao mundo magnífico das artes, sem falar no turismo que é um grande potencial da Ilha.

Reformamos um Squared piano feito na Escócia para o Rei Georg, do Reino Unido. Pode parecer muito sofisticado, mas é tudo muito simples, apesar da consistência e o profundo respeito pelo valor cultural de cada móvel que encontramos e restauramos.


VAM: Estamos curiosos para conhecer o acervo da Galeria

- Tive a sorte de ser orientado por alguém que, além de experiência na pasta, tem um gosto pela arte muito semelhante ao meu. Colecionar se transformou num hobby muito prazeroso.


VAM: Vamos entrevistar o curador do acervo Alexei Waichenberg. Alexei, pode nos relatar como foi construir essa coleção ao lado do Aurélio Tavares

- Costumo dizer que o Aurélio é o meu guru aqui em Portugal. Pensa numa pessoa que adora o Brasil e que nos recebe a todos com muita empolgação e afeto. Construir essa coleção ao lado dele foi um sonho realizado. A coleção da Galeria Lourdes possui obras exepcionais das diferentes fases do modernismo. Fora isso, eu encontrei já na coleção particular, modernistas portugueses sensacionais, além de alguns artistas internacionais que serviram de influência para a construção do movimento brasileiro. Cada obra que compramos juntos tem uma história. Acessei velhos amigos marchands no Brasil, colecionadores, frequentamos leilões e garimpamos obras que não se limitam ao delírio da contemplação, mas que remontam um século de história das artes visuais, desde Baptista da Costa, que venceu a primeira medalha de ouro da República, até jovens artistas que despontam no mercado com trabalhos que, mesmo hoje, quebram os padrões da velha academia de pintura e escultura, como é o caso de Henrique Fischer e do português Tiago Pessanha.


VAM: E sobre o livro que vocês estão lançando junto com a inauguração da Quinta e da Galeria?

- O livro é a consolidação desse garimpo que fizemos. Escrevi de maneira informal, como me é peculiar, e convidei para o Prefácio o Professor Jorge Bento, amigo que me foi apresentado pelo Aurélio, amante declarado do Brasil, laureado pela Universidade do Porto e que escreve divinamente sobre os caminhos da nossa civilização. Para terminar, convidei a Professora Anna Hoffmann, especialista em modernismo brasileiro, para fazer um ensaio crítico sobre cada uma das obras da coleção brasileira. Acho que merece ser desfrutado pelos leitores, mas nada se compara a visitar a Galeria. O projeto do arquiteto João da Costa Nóbrega é um primor. Além da recuperação da Quinta e preservação do patrimônio, ele foi ousado e fez um projeto para a Galeria bastante arrojado. O engenheiro também debruçou sua experiência em construir uma galeria com energia renovável, piso radiante, controle de temperaturas para não danificar as obras e por aí vai. Da minha parte tive a ajuda da arquiteta Betina Lorenzetti, que a cada obra ensaiava comigo em 3D o resultado final, enquanto a construção avançava. Acho que o acervo é muito representativo e faz uma belíssima retrospectiva do Movimento Modernista que esse ano completa 100 anos.


VAM: Para concluir perguntamos ao Engenheiro Aurélio sobre a programação de cultura da Quinta.

- No momento inauguramos o espaço com essa exposição permanente, mas a ideia é receber exposições temporárias de artistas do mundo todo. A parte isso, vamos ter espaço para teatro, festivais de cinema, música num ambiente que estimule artistas locais, visitas guiadas de turismo, eventos de gastronomia e degustação do vinho tipicamente madeirense, proveniente das uvas que voltamos a cultivar. A Quinta é um espaço de afeto, de amigos, de gente que aprecia uma boa tertúlia. Um espaço para ouvir poesia, para ler livros, para contemplar a beleza que é a Pérola do Atlântico, a Ilha da Madeira.

Foto 7047 anexa: Crédito: Acervo Pessoal e legenda: Aurélio Tavares, Alexei Waichenberg e Gabriel Guinle, irmão do artista Jorge Guinle Filho, à frente de uma das obras do acervo do colecionador.

Ass. Imprensa: Equipe D Comunicação

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